Quando estou em legítima defesa? Posso bater no agressor?
Não é de difícil entendimento o art. 25 do Código Penal, que trata da legítima defesa. Traz ele os requisitos para que alguém se considere realmente em legítima defesa e, por isso, não responda criminalmente pelas condutas que venha a praticar. Assim diz:
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parece um artigo fácil, e é mesmo (como já dissemos), mas possui muitos detalhes e peculiaridades que fogem a uma simples leitura superficial. Vamos dissecar este artigo e compreendê-lo por inteiro.
PONTO 1 - "usando moderadamente dos meios necessários" - é muito comum se pensar que "contra um canivete não se pode usar uma escopeta". Isso não existe, nem mesmo está aí descrito.
Veja que a lei diz "meios necessários". O que são estes meios necessários? São os meios que você dispõe no seu caso concreto, na sua situação. Não é possível se falar, em Direito Penal, de fórmulas abstratas que trazem regras absolutas. Exemplo: não é possível dizer que "contra uma faca, você só pode se utilizar de uma faca". Em princípio, você pode se utilizar de tudo o que estiver a seu alcance para se defender, daí será o julgador que decidirá se era aquele o meio que você tinha mesmo à disposição. Se o que você tem (sabe-se lá como e por quê) é uma escopeta, você pode sim se utilizar dela para se defender, mesmo que o agressor esteja sem qualquer arma, ou só com um mini canivete.
O ponto, este sim mais complexo para o julgador avaliar, será o de saber se você fez o "uso moderado" deste meio. Cada caso concreto dirá se você exagerou ou não. Então, no caso da escopeta, se, ao ver que você estava com esta arma, o agressor simplesmente saiu correndo, desistiu de te agredir, pronto, você já se utilizou do meio necessário (a escopeta era o que você tinha) e o fez de forma moderada (bastou mostrar para o agressor sair correndo). Exerceu sua legítima defesa, vá para casa e seja feliz. Agora, se, depois de sair correndo, você ainda atira no agressor, você estará em excesso e poderá responder, normalmente, pelo crime que praticar (lesão, homicídio ou tentativa de lesão ou homicídio).
Em suma: você pode se utilizar do meio (instrumento) que for o necessário para se defender; este uso deve ser o suficiente para findar a agressão, nada mais que isso.
Num exemplo mais comum: uma pessoa está sentada em um boteco, simplesmente tomando sua cerveja. Um sujeito vem, gratuitamente, e o ameaça, começando a vir para cima da vítima. Esta, sem precisar usar nenhum instrumento (poderia ter usado a garrafa da cerveja ou qualquer coisa), consegue acertar um soco que faz o agressor já desmaiar. Pronto, é hora de parar, e não responderá por lesão corporal (soco) que causou no agressor. Usou do meio necessário (sua habilidade de dar um cruzado) e o fez de forma moderada (suficiente para acabar com a agressão). Se, contudo, mesmo vendo a pessoa desmaiada, continua nela dando mais socos e pontapés, responderá, sim, por estas outras lesões que está causando. As testemunhas do bar são as provas que, provavelmente, serão utilizadas contra você.
PONTO 2 - "repele injusta agressão" - em termos claros: você não pode causar uma briga e depois querer alegar legítima defesa. A agressão contra você deve ser injusta, no sentido de não ter sido provocada por você mesmo. É o caso de você "estar na sua" e ser agredido gratuitamente; ou ser roubado etc. Aí sim terá havido agressão injusta e você poderá usar dos meios necessários de forma moderada para se defender.
É também cada caso concreto que será avaliado pelo julgador para dizer se a agressão contra você era mesmo injusta ou se fora provocada.
PONTO 3 - "agressão atual ou iminente" - aqui é literal. Atual = está ocorrendo, a pessoa está te agredindo. Iminente = está prestes a ocorrer, o sujeito está correndo em sua direção, ou foi ao carro pegar a arma etc.
Isso quer dizer que não existe legítima defesa para eventos futuros. Então, se uma pessoa lhe diz agora que "de amanhã você não passa", não vai você querer "adiantar a legítima defesa" e já dar uma coça no futuro agressor. O que você deve fazer é ir à Delegacia, fazer a notícia do crime de ameaça feito pela pessoa, pedir proteção, sumir por um tempo, ou qualquer coisa que o valha. Se não estiver havendo, agora, uma agressão contra você ou prestes a ocorrer, você não estará em legítima defesa.
Claro que, talvez (de novo: depende de cada situação), você poderá não responder pelo crime se tiver "se adiantado" e já tomado suas precauções pessoais contra o futuro agressor. Mas, neste caso, o julgador não excluirá seu crime por ter havido uma legítima defesa, mas por ter havido alguma outra excludente de crime prevista em lei (que não é nosso foco agora). O que nos importa é: legítima defesa não terá sido.
PONTO 4 - "a direito seu ou de outrem" - esta última parte do art. 25 fala que a legítima defesa pode ser própria ou de terceiro, ou seja, você pode estar se defendendo ou defendendo outra pessoa, um terceiro. Basta cumprir os requisitos que vimos nos pontos 1 a 3, que você poderá fazer as mesmas coisas sem responder criminalmente, esteja defendendo a si mesmo ou a um terceiro.
E este terceiro pode ser qualquer pessoa, conhecido seu ou não.
Estes são os pontos básicos para se saber se o caso é ou não de legítima defesa. Nunca saia por aí dizendo "se isso acontecer, é legítima defesa; se aquilo acontecer, não é legítima defesa", pois tudo dependerá do que ocorreu em uma situação. Aqui passamos apenas as regras gerais, o norte que deverá ser seguido pelo julgador para concluir se houve ou não a defesa legítima.
Basicamente, é isso.