O que é o RDD? Quando um preso sofre com ele? Qual a diferença para a pena "comum"?
Não é raro se ver um noticiário trazendo a informação sobre a ocorrência de um crime num determinado Estabelecimento Penal (cadeia). E que, por conta deste crime, o autor do fato pode ir para o chamado "Regime Disciplinar Diferenciado" (vulgo RDD). Mas, afinal, o que é isso? O que acontece com o preso quando está em RDD? Vejamos tudo o que você precisa saber para sair do zero sobre este importante instituto de Execução Penal. Vamos no método de "perguntas e respostas", para facilitar ainda mais sua compreensão. Vejamos.
REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD)
1 – CONCEITO – o que é o RDD? É um regime de cumprimento de pena?Não. A legislação prevê apenas três tipos de regime de cumprimento de pena: aberto, semiaberto e fechado. O RDD, apesar de ter em seu nome a palavra "regime", possui natureza de sanção disciplinar, ou seja, é uma sanção a ser aplicada em decorrência da prática de algum fato.
2 – DESTINATÁRIO – quem pode sofrer a aplicação do RDD? O preso que ainda não tem condenação pode receber o RDD? Sim. O RDD é aplicável tanto ao preso provisório como ao preso já condenado definitivamente, seja ele brasileiro ou estrangeiro.
3 – COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO – quem pode aplicar o RDD no preso? A autoridade administrativa (Diretor do Estabelecimento ou o Secretário da Administração Penitenciária) pode? Não. Apenas o Juiz de Direito (Juiz da Execução Penal Estadual ou Juiz da Execução Federal) é quem poderá aplicar o RDD. É um caso do que se chama, tecnicamente, de "matéria de reserva de jurisdição", ou seja, uma matéria que está reservada apenas a quem tem a jurisdição (o Juiz) para decidir.
4 – HIPÓTESES DE CABIMENTO – quando se pode aplicar o RDD?
- Quando o preso comete alguma falta grave – as faltas graves são elencadas pela lei federal, a própria Lei de Execução Penal. As médias e leves são trazidas pela legislação estadual e não acarretam em RDD.
- Quando o preso pratica crime doloso do qual decorra subversão da ordem ou disciplina internas – a mera prática de crime doloso, por mais grave que seja (mesmo uma lesão ou um homicídio), se não ocasionar a subversão da ordem, não possibilita, em princípio, a aplicação do RDD. Da mesma forma, se da prática do crime advier subversão da ordem, mas este crime tiver sido cometido de forma culposa (e não dolosa), também não se enquadrará nesta situação e não se aplicará o RDD.
- Quando o preso for um alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal – cada caso deverá ser analisado individualmente, devendo-se ter um porquê concreto para poder se considerar o preso como de alto risco. Então, se ele comete, por exemplo, um homicídio doloso do qual não adveio subversão da ordem, não poderá se enquadrar na hipótese anterior, mas poderá se enquadrar nesta hipótese de ser um "alto risco para a segurança do estabelecimento penal".
- Quando o preso for um alto risco para a ordem e a segurança da sociedade – aqui se deve considerar se o preso ainda é um risco social. Muitas vezes, por ser flagrado cometendo crimes de dentro da cadeia que afetam a sociedade, poderá se enquadrar aqui e a ele ser aplicado o RDD. É o exemplo do sujeito que dá uma ordem para matar alguém que está fora do presídio.
- Quando houver fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do preso, de qualquer forma, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave – esta situação independe de o sujeito cometer algum fato concreto dentro do Estabelecimento Penal (uma falta disciplinar ou mesmo um crime). Mas, deve haver uma prova concreta (um bilhete destinado ao preso, por exemplo) que traga a suspeita plausível de que ele seja membro ou esteja envolvido em uma destas formas criminosas:
o Organização criminosa – o §1º do art. 1º da lei 12.850/13 é quem diz o que é organização criminosa: "§1º - Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional".
o Associação criminosa – é o art. 288 do Código Penal quem define o que é associação criminosa: "Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos". Observe que os requisitos para se ter uma associação criminosa são bem mais simples do que os da organização criminosa. E em ambos os casos poderá se aplicar o RDD.
o Milícia privada – é o art. 288-A do Código Penal quem traz o crime de constituição de milícia privada: "Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos". Parece-nos que ainda falta ao legislador trazer a definição do que seja a milícia privada, senão, teremos uma situação inconstitucional, por se ferir a legalidade. Entretanto, enquanto isso, é sim uma hipótese para se colocar o preso em RDD, estando a critério do Juiz definir se o caso concreto é ou não de milícia privada.
5 – COMPATIBILIDADE DO RDD COM A SANÇÃO PENAL – se o sujeito pratica uma das hipóteses de cabimento de RDD acima e a ele é aplicado o RDD, ele também responderá com a pena prevista para o crime? Sim. A aplicação do RDD não impede a aplicação da sanção penal pelo crime cometido. Daí se dizer que se aplica o RDD "sem prejuízo da sanção penal". Exemplo: se o sujeito pratica um homicídio do qual advém subversão da ordem interna (tumulto), poderá receber o RDD, e isso não impedirá que também receba a pena prevista para o homicídio no Código Penal (que é de 6 a 20 anos de reclusão, em regra).
6 – LOCAL DE CUMPRIMENTO – onde será cumprida a sanção do RDD? Cada Estado da Federação poderá dizer onde se cumprirá o RDD em seu território. Em São Paulo, por exemplo, as sanções de RDD são cumpridas no CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) de Presidente Bernardes.
7 – RDD EM ESTABELECIMENTO PENAL FEDERAL – existe alguma situação em que o RDD deva ser cumprido em Estabelecimento Penal Federal (ou seja, aqueles que são mantidos pela União e não pelo Estado)? Sim. A lei diz que o RDD, obrigatoriamente, será cumprido em Estabelecimento da União nestas hipóteses:
- Quando houver indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada – a lei exige apenas indícios, mas exige que a função seja de liderança. Então, por exemplo, se os policias penais percebem que João está dando ordens aos demais presos dentro da cadeia, que os está comandando, isso poderá ser um indício de liderança que o faça cumprir seu RDD em Estabelecimento Federal.
- Quando houver atuação criminosa do preso em 2 (dois) ou mais Estados da Federação – é o caso de haver provas de que o fato praticado pelo indivíduo, quando já estava preso, ultrapassa as fronteiras de um Estado da Federação. Isso porque, se há mais de um Estado envolvido no crime praticado, o interesse passa a ser não mais de um ou outro Estado, mas sim do Brasil como um todo, da União. Logo, seu RDD será em Estabelecimento Federal.
8 – TEMPO DE DURAÇÃO – quanto tempo pode durar a sanção de RDD? O prazo pode ser renovado? A duração da sanção pode ser de até 02 anos. Entretanto, poderá haver renovação sucessiva, ultrapassando estes 02 anos. Ou seja, a duração de "até 02 anos" é apenas no caso de "colocação inicial" (pela primeira vez) em RDD. Depois disso, se houver necessidade, poderá ir havendo a renovação sucessiva de 01 em 01 ano, desde que:
- Haja indícios de que o preso continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade – se este foi o motivo de entrada no RDD e este motivo persiste, poderá ser renovado o RDD, sucessivamente, por 01 ano, até que deixe de existir o risco e não seja mais necessário aplicar o RDD.
- Se o preso mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada – se este foi o motivo de entrada no RDD e este motivo persiste, poderá ser renovado o RDD, sucessivamente, por 01 ano. Nesta situação, para que se renove, a lei exige que se analise também o perfil criminal e a função desempenhada pelo preso no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário. São meios de se ver se, realmente, os vínculos com o grupo criminoso persistem.
- O preso cometa nova falta grave da mesma espécie – qualquer falta grave poderá acarretar na aplicação do RDD. Mas, para a renovação do RDD que já está sendo aplicado, o legislador considerou que apenas a falta grave da mesma espécie é que justificará a renovação. Caso seja de outra espécie, poderá ser aplicada uma nova sanção de RDD, mas não propriamente uma renovação. Em termos práticos, o resultado será o mesmo.
9 – CARACTERÍSTICAS DO RDD – afinal, uma vez estando o sujeito em RDD, o que de diferente terá em relação aos presos que ali não estão? A lei diz quais são as consequências (características) do RDD:
- Recolhimento em cela individual – o preso não terá cela compartilhada, deverá ficar isolado.
- Visitas quinzenais – as visitas para o preso que não está em RDD são semanais. Aqui no RDD ocorrerão de 15 em 15 dias, e com estas características abaixo:
o Apenas 2 (duas) pessoas por vez, no máximo;
o A visita deve ser em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos;
o A visita deve ser apenas por pessoa da família. Caso não seja da família, deverá haver autorização judicial para a ocorrência da mesma;
o Em qualquer caso, a visita não pode passar de 2 (duas) horas;
o A visita será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo;
o Se necessário e houver autorização judicial, a visita será também fiscalizada por agente penitenciário;
o O preso que não recebe visita há pelo menos 06 meses poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos.
- Saídas diárias para banho de sol – o preso tem direito à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso. Ou seja, o preso pode estar em contato com outros presos, durante seu banho de sol, desde que não se comunique ao mesmo tempo com mais de 3 presos, e desde que nenhum deles pertença ao seu grupo criminoso (se for o caso de ele ter um).
- Entrevistas monitoradas – quando da realização de uma conversa com o preso, por alguém que seja de fora do Estabelecimento, que não seja parte de sua visita, aquela deverá ser monitorada, salvo se o Juiz da Execução autorizar em contrário. Exemplo: entrevista com um jornalista ou com uma autoridade. E será sempre em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos. Só não há possibilidade de monitoramento no caso de entrevista com o advogado, hipótese em que o preso continua com o direito de se entrevistar sem fiscalização.
- Ausência de sigilo de correspondência – o preso que está em RDD não tem mais o direito ao sigilo de correspondência, previsto na Constituição. Haverá sempre fiscalização do conteúdo de sua correspondência.
- Audiências por videoconferência – por se tratar, em regra, de presos de alta periculosidade, a lei preferiu já ordenar que as audiências judiciais com o preso sejam feitas de modo remoto, mas sempre se garantindo a presença do advogado no mesmo ambiente onde estiver o preso.
- Alta segurança interna e externa – esta característica é voltada apenas para o caso de o preso estar cumprindo seu RDD em Estabelecimento Federal, por estar enquadrado nas hipóteses que vimos que o obrigam a tanto. Deverá haver alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.
10 – LEGITIMADOS PARA PEDIR RDD – quem pode fazer o pedido para incluir um preso em RDD? O Juiz pode incluir alguém de ofício (sem haver pedido)? A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. Portanto, o Juiz não pode conceder o RDD por si mesmo, de ofício. O Ministério Público, por mais que não previsto diretamente na lei, por ser fiscal da Execução Penal, também possui legitimidade para pedir RDD.
11 – REQUISITOS PARA O JUIZ DECIDIR – quais os requisitos que o Juiz deve obedecer para decidir se concede ou não o RDD? São estes:
- Deve aguardar um requerimento da autoridade administrativa ou do Ministério Público;
- Deve ouvir o Ministério Público, se não foi ele quem requereu;
- Deve ouvir a Defesa;
- Deve ser prolatada no prazo máximo de quinze dias.
12 – RDD PREVENTIVO – o RDD pode ser aplicado em caráter preventivo? O que seria isso? Sim, pode ser aplicado preventivamente. É para a situação em que a autoridade administrativa vê urgência na aplicação do RDD e, ao invés de requerer ao Juiz um RDD definitivo (hipótese em que o procedimento é mais moroso), irá requerer ao Juiz que aplique o RDD para fins de disciplina ou averiguação de um fato, de forma imediata, diferindo-se a manifestação do Ministério Público e Defesa. O tempo de inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado (descontado) no período de cumprimento da sanção disciplinar a ser imposta.
Em termos amplos e sem intuito de crítica, estas são as informações básicas desta importante sanção, prevista especialmente no art. 52 da LEP (Lei de Execução Penal).