Súmula 719 STF - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: esta é uma súmula que deve ser lida em conjunto com outras, tanto do STF, como do STJ. Aqui explicaremos as duas do STF relacionadas ao assunto, por questões didáticas, a fim de não se perder o raciocínio, que é comum a ambas. Mas, vamos por partes: primeiro, do que trata a súmula 719 do STF?
A súmula 719 cuida do regime de cumprimento de pena. Mais especificamente, sobre uma regra a ser observada quando da escolha, pelo Juiz de Direito, de qual regime em que o condenado deverá começar a cumprir sua pena.
No Brasil, temos três regimes de cumprimento de pena:
- Regime fechado;
- Regime semiaberto;
- Regime aberto.
O sistema de cumprimento de pena adotado no Brasil é o chamado "sistema progressivo". Segundo este, a pena deverá ser cumprida de forma a, progressivamente, dar ao condenado a possibilidade de, por seus méritos e critérios cumpridos, mudar de regime de pena. Do regime mais gravoso de cumprimento de pena, passa-se ao menos gravoso: do fechado, vai para o semiaberto; e do semiaberto vai para o regime aberto, até que se finde seu cumprimento de pena.
A intenção deste sistema é, efetivamente, dar ao preso condições paulatinas de ir se adequando à vida em sociedade. Em termos claros: o cárcere não é a rua, a rua não é o cárcere. São realidades absolutamente distintas e, por uma questão até mesmo lógica, para se ressocializar alguém, há que se dar a oportunidade de se viver em sociedade. Então, ir dando ao preso a possibilidade de contato social e lhe mostrando a necessidade de respeito às regras ali vigentes é algo crucial para sua reinserção.
As regras para progressão de regime estão previstas na Lei de Execução Penal (LEP), e aqui não nos interessam no momento. O que nos importa é saber que o condenado, evidentemente, deverá iniciar sua pena em algum destes três regimes. Sabendo isso, precisamos saber como o Juiz fará esta escolha do regime inicial. As regras a serem seguidas pelo Juiz estão no §2º do art. 33 CP:
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Ou seja, percebe-se que, para se decidir sobre o regime inicial de cumprimento de pena, a lei diz que dois critérios deverão ser observados:
- O tanto de pena que o condenado recebeu;
- Se este condenado é primário ou reincidente.
Entretanto, não são estes os únicos critérios a serem observados pelo Juiz. Veja o que diz o §3º deste mesmo art. 33 CP: § 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.
Então, além da quantidade de pena e da reincidência, o Juiz deverá observar os critérios existentes no art. 59 CP, que são:
- Culpabilidade;
- Antecedentes;
- Conduta social;
- Personalidade do agente;
- Motivos do crime;
- Circunstâncias do crime;
- Consequências do crime;
- Comportamento da vítima.
E o que a súmula 719 do STF está dizendo? Em outros termos, o que a súmula em pauta diz é que estes critérios do art. 59 CP poderão se sobrepor aos critérios da quantidade de pena e de reincidência do condenado, desde que o Juiz deixe isso bem claro. Isto é: se o Juiz verificar que os critérios do art. 59 CP são desfavoráveis ao condenado, poderá aplicar a ele um regime de pena inicial mais severo do que aquele que seria permitido pela quantidade de pena recebida. Exemplo: João, que é primário, foi condenado por 5 anos de reclusão, pelo crime de roubo. Em princípio, o regime inicial que João receberia seria o semiaberto, já que João não é reincidente e sua pena está entre 4 e 8 anos. Acontece que o Juiz considerou, em seu caso, que a conduta de João foi muito grave, que a vítima sofreu bastante, que a conduta social de João não é nada boa etc. Assim, o Juiz pode aplicar a João o regime inicial fechado (e não o semiaberto), desde que fundamente e explique exatamente o porquê de estar assim decidindo, ou seja, desde que traga uma motivação (fundamentação) idônea (adequada, suficiente ao caso). É apenas isso que diz a súmula 719.
E qual a outra súmula do STF que se relaciona a esta? É a súmula 718: a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
Uma vez entendida a súmula 719,
percebemos que esta súmula 718 é um complemento àquela. Ou seja, a súmula 719
exige que o Juiz fundamente de forma adequada sobre porque está aplicando
regime inicial mais severo que o cabível. Já a súmula 718 traz uma das formas
que não se considera como motivação idônea, isto é, uma das formas de
fundamentar a decisão que não poderá ser usada pelo Juiz. Exemplo: João
foi condenado por tráfico de drogas. João é primário e recebeu uma pena de 7
anos de reclusão. Em princípio, João teria que iniciar seu cumprimento de pena
no regime semiaberto, já que não é reincidente e sua pena está entre 4 e 8 anos.
Mas o Juiz, em sua sentença, diz que o regime inicial será o fechado, tendo em
vista que o tráfico de drogas é um delito equiparado a hediondo e que traz grandes
mazelas sociais. Veja que o Juiz se baseou não na situação concreta de João,
não olhou os requisitos do art. 59 CP nem descreveu o porquê concreto de estar
aplicando um regime mais severo. Baseou-se apenas na ideia geral e abstrata de
que o tráfico é algo grave. Sim, é algo grave, tanto é que é tido como crime
equiparado a hediondo, mas, para aplicar a João, especificamente, um regime
mais severo, o Juiz deverá especificar exatamente o porquê de ser João
merecedor deste regime. A proporcionalidade aí deve ser concreta, não abstrata.
É isso que diz a súmula 718 STF.