Súmula 599 STJ - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: o que diz o princípio da insignificância? Que, para a existência de um crime, não basta haver uma lesão a um bem jurídico-penal; esta lesão deve ser relevante para que uma conduta seja considerada como criminosa. Exclui-se, portanto, a tipicidade material do crime (e não a formal, a previsão legal). Ou seja, o furto de um bombom no supermercado não deixa de ser crime em sentido formal (está sim previsto em lei, no art. 155 CP, e lá continua), mas não é um crime em sentido empírico, fático, material, isto é, não há relevância real ou social nesta conduta, daí não iremos considerá-la como criminosa, devido à ínfima lesão causada ao bem jurídico-penal "patrimônio" neste caso (princípio da insignificância)[1].
Já são por demasiado conhecidos os requisitos sugeridos pelo STF para que se possa aplicar o princípio da insignificância nos casos concretos:
- mínima ofensividade da conduta do agente;
- nenhuma periculosidade social da ação;
- reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
- inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Este princípio não se aplica, para o STJ, aos crimes contra a Administração Pública. Então, se o servidor público João levou para casa o grampeador que tinha em sua posse, em razão de seu cargo, terá cometido peculato-apropriação, do art. 312 CP: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Por que o STJ assim pensa? Segundo suas fundamentações, os crimes contra Administração Pública não afetam apenas o patrimônio público, mas também a moralidade administrativa. Este é o outro bem jurídico-penal atacado por tais crimes, e, não havendo como mensurar a moralidade administrativa, qualquer conduta criminosa contra ela seria relevante.
O STF não concorda, e nós também não.
Se queremos mesmo ver o Direito Penal aplicado como "ultima ratio", jamais poderíamos defender uma tese como esta. O fato de a moralidade administrativa ser atacada (e é mesmo) não significa dizer que se tenha que utilizar do Direito Penal como meio de intervenção do Estado. A própria Administração Pública possui meios que podem ser muito mais persuasivos (e proporcionais) que a aplicação da pena do peculato. Que tal uma suspensão no servidor, com prejuízo dos vencimentos? Que tal a perda de todos os benefícios acumulados pelo servidor até então? "Mas isso feriria o direito adquirido e os direitos estatutários do servidor!!!", já começariam alguns. Então, quer dizer que a liberdade de ir e vir (a pena mínima é de 2 anos de reclusão) pode ser tolhida por causa de um grampeador?
Não podemos ser minimalistas apenas no discurso. É preciso, de fato, aplicarmos a intervenção penal mínima. Neste sentido, o STF já até considerou como insignificante a não devolução de um fogão de R$455,00 praticada por um militar. Veja que, para além de não considerar incalculável a moralidade administrativa (como quer o STJ nesta súmula), o STF o fez num contexto militarizado, ou seja, num contexto onde a hierarquia e disciplina formam a base principiológica de seu funcionamento. Então, até num contexto de maior "rigor moral", o STF já considerou a aplicação da insignificância, com o que concordamos. É o HC 87.478/PA, Rel. Min. Eros Grau:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQÜÊNCIAS DA AÇÃO PENAL.
DESPROPORCIONALIDADE. 1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de
pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a
aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar.
2. Hipótese em que o paciente não devolveu à Unidade Militar um fogão avaliado
em R$ 455,00 (quatrocentos e cinquenta e cinco) reais. Relevante, ademais, a
particularidade de ter sido aconselhado, pelo seu Comandante, a ficar com o
fogão como forma de ressarcimento de benfeitorias que fizera no imóvel
funcional. Da mesma forma, é significativo o fato de o valor correspondente ao
bem ter sido recolhido ao erário. 3. A manutenção da ação penal gerará graves
consequências ao paciente, entre elas a impossibilidade de ser promovido,
traduzindo, no particular, desproporcionalidade entre a pretensão acusatória e
os gravames dela decorrentes. Ordem concedida.
NOTAS:
[1] Em nosso entender, é possível (e talvez mais adequado) vermos a insignificância como postulado (e não como princípio) advindo do princípio da intervenção mínima. Não obstante, utilizamos o termo que está posto na súmula.