Súmula 567 STJ - Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: o tema do "crime impossível" está atrelado ao instituto da tentativa em Direito Penal.
O crime consumado é aquele em que toda a descrição típica abstrata da lei, efetivamente, ocorre no caso concreto. Ou seja, tudo o que está descrito na lei (os chamados "elementos do crime") ocorre no caso real. Vejamos o exemplo do furto, previsto no art. 155 CP: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Assim, se João pega a bolsa de Maria, sem que esta veja, e subtrai para si os objetos que ali foram colocados, estará consumado o crime de furto. João conseguiu subtrair para si coisa alheia móvel. Responderá com a pena de um a quatro anos acima prevista, e multa.
Por outro lado, se João, ao começar a mexer na bolsa de Maria, é por esta flagrada, impedindo que João subtraia qualquer coisa, o crime será tentado, não houve consumação. Uma circunstância alheia à vontade de João (Maria via o que ele estava fazendo) impediu que o crime se consumasse. João responderá por crime tentado. Em regra, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços, a depender da situação. Essa é a sanção a ser recebida.
Assim, para saber se o crime foi consumado ou tentado, deveremos olhar para o que efetivamente ocorreu no caso concreto. Veja como a lei define estes institutos, no art. 14 CP: Art. 14 - Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
E o que vem a ser o crime impossível? Refere-se a algumas formas de tentativa que não serão punidas. Isto é, o sujeito responderia por crime tentado, mas, por opção político-criminal, sequer responderá pela tentativa que praticou. Vejamos o que diz o art. 17 CP: Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.
Como se vê, temos duas situações em que a tentativa ocorrida não será punida:
- Meio absolutamente ineficaz - o meio utilizado pelo autor da tentativa não tinha como ocasionar o resultado pretendido, ou seja, o autor se utilizou de um instrumento ou uma forma que nunca o levariam a consumar o crime, por ser inidôneo para tanto. Exemplo clássico é o caso de João que, nunca tendo usado uma arma antes, se apodera de um revólver e atira em José, querendo matá-lo. Acontece que o revólver era já muito antigo e não funcionava, de jeito nenhum. Logo, trata-se de crime impossível por ineficácia absoluta do meio utilizado (revólver obsoleto).
- Impropriedade absoluta do objeto - neste caso, o meio ou instrumento escolhido pelo autor são idôneos para causar o resultado, mas o objeto não é. O objeto aí é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta. Exemplo clássico é o de João que, querendo matar José, desfere 5 tiros em sua cama. Mas, abaixo dos lençóis de José o que havia eram travesseiros, estando José fora da casa. O meio utilizado era eficaz (arma municiada e funcionando), mas o objeto (pessoa sobre o qual recaiu a conduta) era impróprio, não era José, eram travesseiros.
Em ambos os casos acima, João não responde por nada, nem por tentativa. São irrelevantes penais.
"Ora, não deveria responder, já que, de fato, tentaram cometer o crime?", o leitor poderia perguntar. O legislador brasileiro, se quisesse, poderia sim puni-los. Se assim fizesse, teria sido adotada a chamada "teoria subjetiva", segundo a qual, mesmo o objeto sendo impróprio ou o meio ineficaz, o que importa é a intenção do sujeito (daí ser "subjetiva"), devendo ele responder pelo que praticou, como tentativa. O que adotamos foi a teoria objetiva do crime impossível, segundo a qual a intenção deve se somar à objetividade do fato, ou seja, deve se somar ao real perigo de lesão ao bem jurídico. Se não houve perigo de lesão ao bem jurídico, o crime inexiste, nem tentativa, sendo estes casos tratados como "irrelevantes penais". Nos exemplos acima, a vida de José (bem jurídico) nunca esteve, de fato, em perigo, seja porque a arma não funcionava, seja porque João atirou em travesseiros, logo, não há punição a ser aplicada.
Mas, um detalhe deve ser lembrado. Para fins de reconhecimento do crime impossível, o ordenamento brasileiro segue a chamada "Teoria Objetiva Temperada". Segundo esta, se o meio utilizado for relativamente ineficaz, mas não absolutamente, o sujeito responderá por tentativa. Exemplo: a arma utilizada está com munição e funciona, mas ela falhou no momento dos disparos, por qualquer motivo alheio à vontade do autor. Neste caso, o meio utilizado não era absolutamente ineficaz, mas sim relativamente ineficaz, isto é, poderia ter funcionado ou não. A vida de José estaria em perigo, logo, soma-se intenção ao perigo de lesão e teremos a possibilidade de se responder por crime tentado.
E, afinal, o que diz a súmula 567 do STJ?
Havia teses defensivas que tentavam absolver os praticantes de furtos em lojas com base na tese do crime impossível. Segundo esta tese, se uma loja está com câmeras ou vigias em cada um de seus corredores, qualquer tentativa de furto seria um crime impossível por absoluta ineficácia do meio utilizado, qual seja, tentar esconder algo na bolsa, nos bolsos etc., pois, inevitavelmente, a câmera ou vigilância iriam flagrar a pessoa e, consequentemente, o crime jamais se consumaria.
Contudo, como dito, a teoria adotada por nós foi a objetiva temperada e, nestes exemplos das lojas, o que há é uma ineficácia relativa do meio empregado, e não uma ineficácia absoluta. Ora, o sujeito pode, mesmo com as câmeras, conseguir furtar os objetos. Basta, por exemplo, um dos vigias ser distraído. Basta, por exemplo, o sistema de câmeras ser desativado por um comparsa do furto. Basta, por exemplo, um dos vigias estar dormindo, e assim sucessivamente. Então, trata-se de um meio relativamente, e não absolutamente, ineficaz, devendo seus autores responderem por tentativa de furto. Em resumo, as câmeras e vigias das lojas apenas reduzem as chances de ocorrência de furto, mas não aniquilam estas chances (o que faria surgir a ineficácia absoluta do meio empregado pelos furtadores).
Por fim, fiquemos com esta ementa de recurso especial para fixarmos o acima descrito:
"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO PREVISTO NO ART.543-C DO CPC. DIREITO PENAL. FURTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTOCOMERCIAL. EXISTÊNCIA DE SEGURANÇA E DE VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. CRIMEIMPOSSÍVEL. INCAPACIDADE RELATIVA DO MEIO EMPREGADO. TENTATIVA IDÔNEA.[...] Recurso Especial processado sob o rito previsto no art. 543-C, §2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. TESE:A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica nãotorna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior deestabelecimento comercial. 2. Embora os sistemas eletrônicos devigilância e de segurança tenham por objetivo a evitação de furtos, suaeficiência apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que nãoimpedem, de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior deestabelecimentos comerciais. Assim, não se pode afirmar, em um juízonormativo de perigo potencial, que o equipamento funcionará normalmente,que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo,que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após aconstatação do ilícito, etc. 3. Conquanto se possa crer, sob aperspectiva do que normalmente acontece em situações tais, que na maiorparte dos casos não logrará o agente consumar a subtração de produtossubtraídos do interior do estabelecimento comercial provido demecanismos de vigilância e de segurança, sempre haverá o risco de quetais providências, por qualquer motivo, não frustrem a ação delitiva. 4.Somente se configura a hipótese de delito impossível quando, na dicçãodo art. 17 do Código Penal, 'por ineficácia absoluta do meio ou porabsoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.' 5.Na espécie, embora remota a possibilidade de consumação do furtoiniciado pelas recorridas no interior do mercado, o meio empregado porelas não era absolutamente inidôneo para o fim colimado previamente, nãosendo absurdo supor que, a despeito do monitoramento da ação delitiva,as recorridas, ou uma delas, lograssem, por exemplo, fugir, ou mesmo, naperseguição, inutilizar ou perder alguns dos bens furtados, hipóteses emque se teria por aperfeiçoado o crime de furto. 6. Recurso especialrepresentativo de controvérsia provido para: a) reconhecer que érelativa a inidoneidade da tentativa de furto em estabelecimentocomercial dotado de segurança e de vigilância eletrônica e, porconsequência, afastar a alegada hipótese de crime impossível; b) julgarcontrariados, pelo acórdão impugnado, os arts. 14, II, e 17, ambos doCódigo Penal; c) determinar que o Tribunal de Justiça estadual prossigano julgamento de mérito da apelação." (REsp 1385621 MG, submetido aoprocedimento dos recursos especiais repetitivos, Rel. Ministro ROGERIOSCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015).