Súmula 546 STJ - A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: aqui devemos fazer, primeiramente, a diferenciação entre duas situações concretas.
1ª situação - refere-se à falsificação de documentos, de forma genérica. Seja de documento público ou particular, a conduta se refere ao ato de falsificar, no todo ou em parte, o documento, ou alterar este documento (art. 297 e 298 CP[1]). O agente, neste caso, vai fabricar um documento novo, sendo ele falso; ou, o agente irá alterar um documento já existente, tornando-o falso.
O bem jurídico-penal protegido é a fé pública, a confiança coletiva depositada na originalidade destes papéis. As relações humanas, comerciais ou não, ficariam de todo prejudicadas se, a todo instante, houvesse a necessidade de se questionar a autenticidade de documentos. Eis a necessidade da previsão de tais crimes, a fim de se proteger esta confiança coletiva.
Nesta situação de falsificação de documentos, no caso de ele ser um documento particular, a competência para julgamento será da Justiça Comum Estadual, uma vez que não há interesse da União envolvido, em princípio[2]. Então, aquele que falsifica um contrato de compra e venda, por exemplo, será julgado pelo juiz estadual. Caso este documento seja público, deveremos observar quem foi seu órgão expedidor. Assim, a falsificação de uma Carteira de Habilitação (CNH) é de competência da Justiça Comum Estadual, uma vez que é o DETRAN (órgão estadual) o seu expedidor, não havendo interesse da União no caso. Quando se falsifica um documento estadual, é o Estado o maior afetado na fé pública de seu documento, é ele o competente para julgar. De outro lado, se a falsificação foi de um passaporte, a competência será da União, pois cabe à Polícia Federal a sua emissão, é dela o interesse.
Estas são, em princípio, as regras de competência para esta primeira situação.
2ª situação - refere-se ao crime de uso do documento falso, seja ele público ou particular, não importa. V. art. 304 CP: Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.
O agente não fabricou um documento falso nem alterou o documento, mas usa deste documento falso alterado ou fabricado por alguém. É deste caso que trata a súmula em pauta.
Quando o crime praticado for o de uso do documento, a competência será determinada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento, não importando a qualificação do órgão expedidor. Exemplo corriqueiro é o da falsificação de CNH (Carteira Nacional de Habilitação). O órgão expedidor é o DETRAN (órgão estadual). Se o agente, que não foi quem fabricou a CNH falsa, usa da mesma para poder viajar para outro Estado e, no meio do caminho, é parado pela Polícia Rodoviária Federal, estará cometendo o crime de uso de documento falso. A competência para julgamento, neste caso, não será do Estado emissor da CNH, mas sim da União, pois o agente apresentou (e não falsificou) a CNH para o policial federal, logo, o atingido com este uso foi a União, e não o Estado. Em suma: aquele que falsificou a CNH responderá perante a Justiça Comum Estadual e quem usou e apresentou ao policial federal será julgado na Justiça Federal.
Neste sentido é que vem decidindo o STJ e, por isso, houve a elaboração de tal súmula:
"[...] Não obstante tratar-se a Carteira Nacional de Habilitação - CNH de documento cuja expedição é atribuída ao Departamento Trânsito - DETRAN de cada unidade da federação, infere-se que, no caso em questão, referido documento, fruto de falsificação, foi apresentado pelo acusado a agente da Polícia Rodoviária Federal, servidor público federal que é incumbido da função de patrulhar ostensivamente as rodovias federais. [...] Em recentes julgados proferidos em casos semelhantes, esta Corte tem dado relevância à pessoa ou entidade que tenha sido alvo da utilização do documento falso, não importando, em princípio, a qualidade do órgão expedidor do documento público. [...] Sendo certo que a Carteira Nacional de Habilitação falsa que portava o acusado foi utilizada perante agente da Polícia Rodoviária Federal, o qual, como anteriormente salientado, é incumbido do dever de patrulhar ostensivamente as rodovias federais, evidente é a caracterização do prejuízo a serviço da União, justificando-se a fixação da competência da Justiça Federal. [...]'" (CC 78382BA, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2007, DJe 17/09/2007).
Entretanto, outras duas situações distintas a essa podem ocorrer e merecem aqui nossa atenção:
- O autor da falsificação também usa o documento por ele mesmo falsificado - ou seja, Roberto quer participar de um evento que exige uma idade "x" para tanto. Roberto falsifica seu RG e vai para o evento, usando do documento falso. Neste caso, tem-se entendido que este uso é mero exaurimento do crime de falsificação já realizado (consunção), logo, o fator determinante para se saber da competência será o órgão expedidor do documento, e não para quem Roberto apresentou o mesmo. Exemplo é o HC 84.533/MG, Rel. Min. Celso de Mello: "O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação, configura "post factum" não punível, mero exaurimento do "crimen falsi", respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público (CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298). Doutrina. Precedentes (STF). - Reconhecimento, na espécie, da competência do Poder Judiciário local, eis que inocorrente, quanto ao delito de falsificação documental, qualquer das situações a que se refere o inciso IV do art. 109 da Constituição da República. - Irrelevância de o documento falsificado haver sido ulteriormente utilizado, pelo próprio autor da falsificação, perante repartição pública federal, pois, tratando-se de "post factum" impunível, não há como afirmar-se caracterizada a competência penal da Justiça Federal, eis que inexistente, em tal hipótese, fato delituoso a reprimir".
- Falsificação foi praticada como meio para se atingir um crime-fim - da mesma forma que no caso anterior, aqui a prevalecente será a competência para julgamento do crime-fim. É o crime-fim que determinará a competência, seguindo-se as regras normais do CPP para tanto, e não a falsificação do documento (que fora absorvida).
NOTAS:
[1] Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
[2] É o art. 109, I, CR quem diz: Art.
109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a
União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na
condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as
de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho.