Súmula 511 STJ - É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do CP, art. 155 nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: o crime de furto está previsto no art. 155 CP: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Quando o legislador prevê uma situação em que se aumenta um percentual da pena do crime, diz-se que estamos diante de uma "causa de aumento de pena". É o que ocorre, por exemplo, no parágrafo primeiro deste art. 155 CP: § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. Existe esta causa de aumento porque, em regra, a vigilância das pessoas durante o período em que descansam é menor, havendo, assim, maior reprovação na conduta.
Se João, então, furta algo durante o repouso noturno, o juiz lhe aplicará uma pena entre 1 a 4 anos de reclusão e aumentará a mesma em 1/3. Veja que a pena a ser aplicada é a mesma do "caput" (1 a 4 anos), não mudou.
Já numa causa de diminuição de pena, ocorre o mesmo, mas, evidentemente, reduzindo-se uma fração da pena aplicada. É exemplo o parágrafo segundo deste mesmo art. 155 CP: § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Veja que neste caso, para além de existir a possibilidade de reduzir a pena, o juiz terá outras opções. Em resumo, são estas as possibilidades do juiz:
- Substituir a pena de reclusão pela de detenção - o que fará com que o condenado não possa receber o regime fechado de cumprimento de pena no início deste. Isto é, terá que começar a pena ou no semiaberto ou no aberto.
- Diminuir a pena de um a dois terços - esta, sim, é a redução de pena a que nos referimos, ou seja, é uma causa de diminuição de pena.
- Aplicar somente a multa -mais uma opção para o juiz, a depender da gravidade do caso.
E, em que situações o juiz terá estas opções acima, isto é, quais são as hipóteses permitidas pela lei para se aplicar uma destas benesses ao condenado (chamado de "furto privilegiado")?
- Que o condenado seja primário - isto é, que não tenha contra si nenhuma condenação transitada em julgado. O réu foi condenado definitivamente pela primeira vez; não é, portanto, reincidente.
- Que o objeto furtado seja de pequeno valor - a jurisprudência tem entendido que um objeto de pequeno valor é aquele que valha menos que um salário-mínimo. Veja esta ementa:
Muito bem, já temos uma noção sobre como ocorre uma causa de aumento e diminuição de pena. Frisa-se: não há alteração nos limites originais da pena, que continuam sendo de 1 a 4 anos, mas sim uma acréscimo ou redução na mesma, por meio de uma porcentagem.
Já na chamada "qualificadora", teremos, sim, uma mudança nos limites mínimo e máximo da pena. Trata-se, portanto, de outro tipo penal, diferente do original, da sua forma simples. Veja, por exemplo, no caso do furto, as qualificadoras existentes no parágrafo quarto deste art. 155 CP:
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Observe o leitor que o mínimo e máximo da pena mudaram de 1 a 4 anos para 2 a 8 anos. Temos, então, não uma causa de aumento, mas, sim, uma qualificadora, um furto qualificado. Mera questão de técnica escolhida pelo legislador para reprovar mais uma conduta ou outra. Mera escolha. Poderia o legislador ter optado por aumentar estas penas todas na forma de qualificadora, ou na forma de causa de aumento de pena, ou sequer aumentá-las. Tudo escolha técnico-política.
Entre estas qualificadoras, há aquelas que são de ordem objetiva, isto é, que se referem ao modo de execução do sujeito. E há uma qualificadora que é de ordem subjetiva, ou seja, refere-se à pessoa do agente criminoso, a alguma situação ou qualidade que é incomum às pessoas em geral, mas que aquele sujeito autor do crime possui. Todas as qualificadoras acima são de ordem objetiva, pois se referem ao modo de executar o crime (escalada, destreza, em concurso com alguém, uso de chave falsa etc.). Mas, há uma única que é de natureza subjetiva, ou seja, não é comum à generalidade das pessoas, é pertencente àquele sujeito em especial: é a qualificadora do abuso de confiança.
Nesta qualificadora, o sujeito se aproveita de uma relação de confiança que possui com a vítima para cometer o furto. Há uma relação de confiança pré-existente ao furto, e o gente se aproveita disso para conseguir furtar. Ex.: são ex-colegas de Faculdade. Não é comum à generalidade das pessoas ter esta relação com a vítima, daí ser ela de natureza subjetiva; é própria daquele autor do furto ou somente de quem fazia parte da turma da Faculdade.
E o que a súmula vem dizer? Segundo a súmula 511 STJ, é possível combinar o furto qualificado (do §4º do art. 155 CP) com o furto com causa de diminuição de pena (do §2º do art. 155 CP), surgindo o furto "privilegiado-qualificado".
Exemplo: João se apropriou de um relógio de José, quando este deixou o mesmo dentro da bolsa para poder jogar seu futebol. Acontece que a bolsa de José estava dentro do armário do vestiário do clube onde jogava, e João, para ter acesso, teve que usar uma chave falsa, incidindo no furto qualificado do §4º, inciso III acima exposto. Não obstante, João é primário, e o relógio furtado vale exatamente R$600,00 (menos que um salário-mínimo). Então, João cometeu, ao mesmo tempo, um furto que é qualificado e que mereceria uma causa de redução de pena. Tudo bem, não há problema, basta pegarmos a pena do furto qualificado (de 4 a 8 anos) e reduzi-la de 1/3 a 2/3.
Neste mesmo caso, suponha que João seja conhecido de José há algum tempo, tendo ambos uma relação de confiança. E José deixou a chave de seu armário com João, a pedido deste. João foi lá, abriu o armário com a chave original e pegou o relógio. Aí temos um furto qualificado pelo abuso de confiança, e também com causa de diminuição de pena, já que João é primário e o relógio vale menos que um salário-mínimo (R$600,00). Nesta situação, pelo fato de João ter cometido o crime com abuso de confiança (única qualificadora subjetiva do art. 155 CP), João não fará jus aos benefícios do parágrafo 2º. É isso que diz a súmula: só se pode combinar o furto qualificado com a causa de diminuição se a qualificadora tiver sido objetiva, e não subjetiva.
E por que se pensa desta maneira? O STJ considera, assim como o STF, que, neste caso, a gravidade da qualificadora subjetiva (abuso de confiança) é tamanha que ela se sobrepõe à possibilidade de combiná-la com uma redução de pena, com um privilégio. Isto é, é tão grave abusar da confiança do próximo para lhe furtar um objeto que o fato de você ser primário e de pequeno valor o que está furtando não importarão, você responderá pelo furto qualificado, e não por furto privilegiado-qualificado. Polêmico e questionável, mas, assim tem sido.
Em resumo, para haver o furto privilegiado-qualificado há os seguintes requisitos:
- Que o condenado seja primário;
- Que o objeto furtado seja de pequeno valor;
- Que a qualificadora praticada seja de natureza objetiva.