Súmula 38 STJ - Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da CF/88, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: infração penal é a conduta (ação ou omissão) a qual a lei atribui uma sanção de natureza criminal. Esta natureza criminal da infração é dada pela Constituição da República, fonte de validade do ordenamento, assim como pela lei infraconstitucional deste Estado (Parte Geral do Código Penal, em regra). E é esta a única diferença existente entre a infração penal e as demais infrações do nosso ordenamento (infração civil, administrativa, tributária etc.). Em outros termos, não há diferença ontológica (mas apenas legal e extrínseca) entre as infrações jurídicas como um todo; por exemplo: o ilícito civil acarreta sanções civis (ou melhor, que "a lei diz serem civis") e o ilícito penal acarreta sanções penais (ou melhor, que "a lei diz serem penais"), porque esta foi a escolha política do Estado.
Muito bem, mas, infração penal e crime são sinônimos? E o termo "delito", o que é? E o que significa "contravenção penal"? Vejamos.
Toda conduta que contrarie o ordenamento jurídico e que, para isso, seja prevista uma consequência (sanção) de natureza criminal, será uma infração penal[1]. Logo, a infração penal é gênero, que possui duas espécies: crime (ou delito) e contravenção. Tal classificação se dá pela gravidade das sanções impostas aos sujeitos criminosos. Aos crimes ou delitos (sinônimos) são previstas sanções mais graves, enquanto que para as contravenções há previsão de sanções penais mais leves e uma lei específica que trata das mesmas. Veja o que está previsto no art. 1º da lei de introdução ao Código Penal: Art. 1º - Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Esta é a classificação geral, dividindo infração penal em crimes e contravenções. Não obstante, os crimes ou delitos possuem, ainda, uma subclassificação: a) crime propriamente dito; b) crime de menor potencial ofensivo. Façamos a diferenciação por exclusão. Os crimes de menor potencial ofensivo são aqueles que preveem uma pena de privação de liberdade (reclusão ou detenção) não superior (igual ou menor) a 02 anos. Logo, o crime propriamente dito será todo aquele cuja pena máxima seja superior (mais que) a 02 anos. Veja-se o previsto no art. 61 lei 9.099/95: Art. 61 - Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
E as contravenções penais? O termo se refere a uma lei específica (decreto-lei 3.688/41), chamada "Lei das Contravenções Penais" (LCP). Esta lei traz condutas que são menos graves, menos ainda que os crimes de menor potencial ofensivo. Todas as condutas que estiverem previstas na LCP serão classificadas como contravenção penal. E, todas as condutas que ali não estiverem, mas que possuam as penas do citado art. 1º da lei de introdução ao Código Penal, poderão ser tidas também como contravenção, apesar de desconhecermos esta hipótese, isto é, toda contravenção, no Brasil, hoje, está prevista apenas no decreto-lei 3.688/41.
Pronto, sabendo-se quais as espécies de infração penal, podemos adentrar no que a súmula em pauta está dizendo. Refere-se ela à competência para julgamento especificamente das contravenções penais, afirmando que quem as julga é a Justiça Estadual Comum. Tanto as contravenções penais como os crimes de menor potencial ofensivo (infrações de menor potencial ofensivo) serão julgados nos Juizados Especiais Criminais, como diz o art. 60 da lei 9.099/95: Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Acontece que temos, em nosso sistema, tanto Juizados Especiais de âmbito estadual como de âmbito federal. A Justiça Federal, assim como o seu Juizado, é destinada à proteção de bens que interessem à União, e não aos Estados. Assim, se quero processar civilmente a Caixa Econômica Federal, em uma causa de baixo valor, terei que entrar com esta ação junto ao Juizado Federal, uma vez que a Caixa é uma empresa pública federal, de interesse da União. É o que diz o art. 109, I CR: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
Por conta da existência deste inciso I, começou-se a questionar, em âmbito de prática forense, se uma contravenção penal, uma vez praticada contra um bem de interesse da União, não seria também julgada no Juizado Federal. A súmula em pauta vem ratificar que não, afirmando que qualquer contravenção penal deve ser julgada no Juizado Especial Estadual, que é parte da Justiça Estadual Comum. Isso porque está bem claro e expresso o inciso IV deste mesmo art. 109 CR: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Não há que se pensar, portanto, que, em caso de contravenção praticada contra interesse da União, a competência seria do Juizado Federal, pois o inciso IV do art. 109 CR exclui qualquer tipo de contravenção, ainda que praticada contra o interesse da União.
Por fim, cabe acrescentar que, em caso de haver conexão entre um crime de competência da Justiça Federal e uma contravenção penal (isto é, ambos foram praticados num mesmo contexto fático e seriam julgados em conjunto), deverá haver separação de processos (desmembramento), devendo a contravenção ser julgada no Juizado Estadual, não se aplicando a súmula 122 STJ (já comentada no site).
NOTAS:
[1] Em sentido técnico e estrito a conduta não contraria o texto da lei, mas sim a ele se subsume, se encaixa. A contrariedade se dá em relação à norma advinda deste texto.